sexta-feira, 12 de julho de 2019

Cosmopolitismo e barbárie II

De Homi Bhabha e da reunião de textos O bazar global e o clube dos cavalheiros ingleses (Rio de Janeiro: Rocco, 2011; org. de Eduardo F. Coutinho, trad. Teresa Dias Carneiro)
Há um tipo de cosmopolitismo global, muito influente no momento, que configura o planeta como um mundo concêntrico de sociedades nacionais se estendendo até vilarejos globais. É um cosmopolitismo de relativa prosperidade e privilégio fundamentado em ideias de progresso que são cúmplices de formas neoliberais de governança e de forças de concorrência de livre mercado. Tal conceito de "desenvolvimento" global tem fé nos poderes praticamente sem fronteiras da inovação tecnológica e das comunicações globais. [...] Ao celebrar uma "cultura mundial" ou "mercados mundiais", esse modo de cosmopolitismo se move rápida e seletivamente de uma ilha de prosperidade para outro terreno de produtividade tecnológica, visivelmente prestando pouca atenção à desigualdade persistente e à miséria produzida por esses desenvolvimento desigual e irregular.
O autor segue propondo que a globalização tem que começar em casa e que as nações precisam lidar com suas diferenças internas, como os "povos aborígenes da Austrália", com o difícil balanceamento entre a igualdade e o direito à diferença.
Para meu livro, interessa enfatizar que aquele cosmopolitismo citado depende da produção da desigualdade persistente. Nesse sentido, o Brasil está na crista da onda, encontrando no extermínio novas formas de lucro nos renovados ataques aos povos indígenas, na extinção de direitos sociais, na impunidade oficialmente celebrada de chacinas, o narcopentecostalismo que segue atacando a liberdade religiosa sob a indiferença das autoridades, especialmente no Rio de Janeiro.
A política exterior do país afinou-se pelo mesmo diapasão: entre outros exemplos, o assédio de uma embaixadora na ONU contra um autoexilado brasileiro, Jean Wyllys, (reeleito deputado federal, deixou o país em razão das ameaças de morte feitas por bolsonaristas), e o alinhamento aos Estados mais retrógrados contra os direitos das mulheres.
O Brasil, porém, neste livro é antes meu ponto de vista do que meu assunto, ao contrário do que fiz em Canção de ninar com fuzis.

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Cosmopolitismo e barbárie

No blogue, transcrevo parte das leituras que faço para o livro. Cito agora, do grande historiador que morreu no dia primeiro de julho deste ano, António Manuel Hespanha, esta passagem de Cultura jurídica europeia: Síntese de um milénio (Coimbra: Almedina, 2012):
Na Europa, o projeto cosmopolita levantou outro tipo de problemas [...] a criação de um direito doutrinal cosmopolita aceitável por um conjunto de culturas jurídicas vernaculares ainda muito diversas conduziu esse projeto a um formalismo extremo [...] em que comuns eram quase apenas os quadros conceitos abstratos. O que fez com que o sistema de direito global fosse tão vazio de conteúdos daqueles que têm realmente a ver com a vida concreta das pessoas que não oferecia qualquer garantia contra normas jurídicas  de conteúdos chocantes [....] Isso aconteceu, nomeadamente, com os direitos de países desse centro da Europa que constituía o núcleo da cultura jurídica académica do Continente; mas que, apesar disso, admitiram normas que, do ponto de vista dos conteúdos, equivaliam à barbárie.
[...]
Nos dias de hoje, como vimos, o impulso no sentido de um direito cosmopolita à escala mais elevada corresponde àquilo que, com muita simplificação e unilateralismo, se tem designado pela emergência de uma "sociedade global".  Como esta sociedade não corresponde nem a nada de institucionalizado, nem sequer a nada que tenha reduzido os localismos (e os consequentes vernáculos), as tensões entre o cosmopolitismo jurídico e direitos vernaculares de diversas escalas agravaram-se ainda mais. 
As relações entre cosmopolitismo e barbárie continuam a necessitar de mais explorações, tendo em vista que a insuficiente institucionalização continua, e as tensões mencionadas permanecem.

"O Pulso", de Marco Aurélio de Souza, e "O ciclone da ordem do mundo"

O professor e poeta Marco Aurélio de Souza publicou a obra de crítica O pulso: decálogos sobre a poesia viva (Ponta Grossa: Lambrequim, 202...