sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Genocídio e Prêmio Nobel

O Prêmio Nobel de Literatura foi para Olga Tokarczuk (2018) e Peter Handke (2019). O adiamento da escolha de 2018 (motivado pelos escândalos sexuais e de corrupção na Academia sueca) acabou sendo tempestivo; no domingo, ocorrerão eleições na Polônia e a escritora aproveitou a publicidade mundial para pedir que seus compatriotas votem em favor da democracia.
O escândalo adiou a escolha de 2018, agora ele se incorpora na de 2019: a escolha de Handke gerou protestos de diversos grupos e autores por causa de sua atuação negacionista do genocídio cometido pela Sérbia contra muçulmanos em Srebrenica, um crime sem precedentes na Europa desde a Segunda Guerra Mundial.
A PEN America lamentou profundamente a escolha pelo fato de o vencedor ter usado sua "voz pública" para engar a verdade histórica e apoiar genocidas: "We are dumbfounded by the selection of a writer who has used his public voice to undercut historical truth and offer public succor to perpetrators of genocide, like former Serbian President Slobodan Milosevic and Bosnian Serb leader Radovan Karadzic."
Zizek, em um momento feliz, relacionou a escolha de Handke (um apologista da guerra) com a criminosa entrega de Julian Assange (que deveria ter recebido o Nobel da Paz) aos Estados Unidos, como exemplos do que a Suécia significa hoje.
Já copiei no blogue um poema de O desvio das gentes em que o Nobel vai para um míssil. Copio agora a primeira parte de outro, que descreve uma galeria do "Salão da Paz" em que são expostos, entre outras obras, certos vencedores do Nobel da Paz. A geopolítica como écfrase...


Galeria do Salão da Paz

I
Milhares de retratos, pura atmosfera de museu.
Milhões de turistas no museu da atmosfera.
O arcaico encontro do hidrogênio e do oxigênio nesta velha aquarela.
Quadros renascentistas das roupas do ozônio.
Guarda-chuvas sem proteção para ácidos.
Também arte dos ares contemporâneos.
Os genocidas que ganharam o Nobel da Paz.
As empresas monopolistas, únicas defensoras convictas do Livre Mercado.
A rotação da Terra, criada para a divisão de trabalho da vigilância.
Corpos vestidos de rios eletromagnéticos, agora nus e secos sobre os ares.

Substituição da pororoca por aterros de plástico.
O plástico, de mil utilidades, até a de atmosfera
e a de país, agora que a cidadania
resolve-se na asfixia.


P.S.1: Como brasileiro, lamento que o Nobel da Paz não foi para Raoni, embora reconheça que a trajetória dele está acima de condecorações. O líder indígena é bem o caso das pessoas que honram os premiadores, e não daquelas a quem são os prêmios que concedem honras.

P.S.2: Aproveito e relembro que O desvio das gentes será lançado em São Paulo no dia 24 de outubro de 2019 na Biblioteca Municipal Álvaro Guerra, na Avenida Pedroso de Moraes, 1919, no bairro de Pinheiros.

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