Tendo em vista que "capitalismo humanista" virou até linha de pesquisa em certos programas de pós-graduação, e por isso ele acabou sendo referido na obra, resolvi destacar este trecho da apresentação do livro, escrita por Taís Franciscon:
A democracia está numa ala separada: apinhada de pessoas que querem, finalmente, descobrir o que ela é; mas só há o modelo aprovado previamente por investidores. O museu do pó traz um conceito inovador: quanto mais resíduos tóxicos, mais avançada é a civilização. O museu dedicado à atmosfera provoca a asfixia; está repleto de retratos de genocidas que ganharam o Nobel da Paz.
Em meio à topografia negativa, o Livre Mercado, maiúsculas como um deus, vive a apoteose. Por um lado, realiza ações que não são tão distantes da realidade: defende o direito empresarial do agrotóxico; comercializa, online, atentados à dignidade humana, apenas porque são lucrativos; inclui nos decretos petrolíferos a compra de acidentes atômicos. Vale observar que é justamente o Livre Mercado quem motiva o “capitalismo humanista das bombas”: afinal, quem anuncia a cotação na Bolsa de Valores são homens-bomba. No último estágio, há bombas em paraísos fiscais, enquanto “a bomba financia / os planos globais de investimento / no mercado da catástrofe”.
Ao se falar desse capitalismo explosivo, entra em cena outro agente da perpetuação da barbárie: o Estado, cujos fiéis servidores são as jaulas. Dependente das fraturas dos ossos e das lágrimas, o Estado transmuta os direitos humanos para as barras de ferro e, diante da tragédia, surrupia a democracia, que lhe começa a parecer incômoda. Em nome dele, memórias de massacres são sufocadas. O apagamento de registros de atrocidades é tarefa conhecida pelo autor. Desarquivar o Brasil está na trajetória poética e jurídica de Pádua Fernandes; ele foi um dos pesquisadores da Comissão da Verdade do Estado e da Prefeitura de São Paulo.
Apesar de O Desvio das Gentes reverberar, inevitavelmente, os traços do horror brasileiro, fica claro que o panorama devastador pertence a uma geografia ampla, onde os “horizontes são alargados até o napalm”.
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